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Wolfgang Amadeus Mozart (parte2)


O Papá não deve contudo pensar que foi para ver a - que fui à casa de Salern, não, pois infelizmente ela tinha ido trabalhar e aliás nunca está em casa, mas amanhã às 10 horas irei vê-la na corte, em companhia de Madame Hepp, que o Papá conheceu como Tosson. Pois no Sábado a corte vai em viagem e só volta no dia 20. Amanhã almoço em casa da Senhora de Branca e da sua filha, que agora é meio aluna minha, uma vez que o Siegl raramente vem, e o Beeché, que costuma ensinar-lhe flauta, não está cá. Nos três dias que passei com o conde Salern toquei muita coisa de cor; as duas peças para a condessa, e acabando com a música final de rondó, tudo de cor. Não pode imaginar o prazer do conde Salern: ele, sim, compreende música, pois diz "bravo" a toda a hora, enquanto os outros cavalheiros tomam uma pitada de tabaco - assoam-se ou tossem - ou iniciam uma conversa; disse-lhe que gostava que também lá estivesse o duque, assim também ele me poderia ouvir - ele não sabe nada de mim. Não sabe do que sou capaz. Os grandes senhores acreditam em toda a gente, e nunca exigem ter provas! Sim, costuma ser sempre assim. Mas arrisco o desafio, pedi ao conde para chamar todos os compositores de Munique, mais alguns de Itália e França, Alemanha, Inglaterra e de Espanha - ouso desafiar qualquer deles. Contei-lhe como fui recebido em Itália. Pedi-lhe que, quando falassem de mim, referisse estas coisas; respondeu-me: o meu poder é pequeno, mas o que puder, farei de todo o coração. É da opinião que, se eu pudesse cá ficar durante algum tempo, tudo se arranjaria. Sozinho não seria difícil aguentar-me, porque receberia do conde Seau pelo menos 300 florins; com a alimentação que não precisava de me preocupar, pois seria sempre convidado, e se não fosse, então o Albert ficaria contente de me ter à sua mesa. Como pouco, bebo água durante a refeição, e acompanho a fruta servida com um pequeno copo de vinho. Faria assim um contrato com o conde Seau (tudo isto segundo o conselho dos meus amigos): por ano entrgava-lhe quatro óperas alemãs, umas buffe, outras serie, e receberia uma percentagem por cada uma delas, já é assim o costume. Isto só por si já me traria pelo menos 500 florins, que com o meu ordenado faria 800 florins; mas seria certamente mais. Pois o comediante e cantor Reiner recebeu 200 florins pelo seu espectáculo; e cá sou muito popular. E qual não seria a minha popularidade se eu ajudasse a enobrecer o teatro nacional alemão com a minha música? - e comigo isso aconteceria com certeza; porque, quando ouvi a opereta alemã, já me sentia ansioso por compor. A primeira cantora chama-se Kaiserin, é a filha de um cozinheiro de um conde de aqui, uma rapariga muito agradável; bonita no palco. Ainda não a vi de perto. Nasceu cá. Quando a vi era só a terceira vez que actuava. Tem uma bela voz; não é forte, mas também não é fraca. Muito pura. Boa entoação. O seu professor é o Valesi; e quando canta percebe-se que o seu mestre percebe tanto docanto como do seu ensino. Quando durante os compassos faz uma pausa, admiro-me sempre muito da beleza com que ofaz crescendo e decrescendo. Ainda faz de forma lenta o trinado, e isso agrada-me bastante; porque assim ficará mais puro e claro quando estiver capaz de fazê-lo de forma mais rápida; e rápido é sempre mais fácil. As pessoas alegram-se muito de a ver --- e eu também. A Mamã estev na plateia, entrou logo às quatro e meia para conseguir arranjar lugar; mas eu só fui às seis e meia. Pois eu posso sempre entrar em qualquer camarote, porque sou conhecido o suficiente. Estive no camarote da Casa de Branca. Observei a Keiserin através do meu binóculo e ela arrancou-me amiúde uma lágrima; muitas vezes eu disse "Brava, bravissima", porque me lembrava constantemente que era só a sua terceira vez em palco. A peça chamava-se Das Fischermadchen, uma tradução muito boa com a música do Piccini. Ainda não têm peças originais. Querem em breve apresentar uma opera séria alemã - e desejam que eu a escreva. (...) Há pouco tempo o barão Rumling fez-me o seguinte elogio: "Visitar espectáculos é o meu maior prazer - bons actores e boas actrizes, bons cantores eboas cantoras, e um compositor irrepreensível como você." Isto, claro, é só conversa - e fala-se sempre muito. Porém, nunca tinha falado assim comigo. Desejo-lhe uma boa noite. Amanhã, se Deus quiser, terei novamente a honra de falar consigo, meu queridíssimo Papá, por escrito. Dia 2 de Outubro no nº 4 do 2º andar.

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