Agachados em cima de um caixote cambaleante, os dois irmãos magricelas vão unindo, com uma agulha e muita paciência, as palmilhas dos sapatos de camurça. Aprendem mais depressa a coser do que a decorar a tabuada. Eles trabalham há várias horas, com a família, num alpendre escuro, de granito frio e madeira carcomida e onde se misturam os cheiros fétidos do estrume e do bafio. As grossas dedeiras nem sempre os protegem do cortante fio de nylon, que lhes vai abrindo gretas e deixando cicatrizes nas palmas das mãos. Não é preciso ser vidente para lhes ler um futuro enegrecido... Pormenor: a cena não se passa num bairro da lata em Calcutá, ou numa província da China, mas a norte de Portugal, numa freguesia rural em Felgueiras! "Ai, aleijei-me!", exclama Miguel, o mais velho, interrompendo o pesado silêncio. Veste uma "t-shirt" do campeão, o "fê-quê-pê", e sonha mostrar ao mundo os seus dotes com o esférico. Um dia. Por enquanto, são as suas mãos esguias que tra...