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Barranco de Cegos - Alves Redol


"Explicava-se, por isso, a maneira ostensiva como voltaram as costas, e mal o fáeton virou para o lado da vila, onde o pai e a irmã iriam apanhar o comboio. (Aqui para nós: o despeito, uma das sombras do Demónio, levara-os já a desejar que o curro fosse uma boiada, capaz de vexar Diogo Relvas com uma bronca histórica.) Depois deles desapareceram as criadas, a Brígida chorava pela sua menina, o Padre Alvim, o preceptor e a preceptora inglesa que entrara para o palácio havia só umas semanas, e alguns campinos chamados para ajudarem às malas.

Joaquim Taranta ficou sozinho, a menear a cabeça, de barrete na mão; o que adivinhava naquela viagem não era coisa boa, não senhor, sabia lá o quê!, mas vira sombras negras à volta da equipagem, como se um luto cobrisse os quatro cavalos rucilho flor de alecrim e o branco-prateado, os patrões e o cocheiro. E o dia estava bonito. Quente e de céu azul. O céu tremia."


in Barranco de Cegos de Alves Redol


Li este livro há pouco tempo. Comprei-o no Jumbo ao desbarato, é um livro de bolso da Europa-América já amarelecido, mas novo, pois as folhas ainda vinham coladas.

Eu, nascida e criada no Ribatejo, numa vila de coudelarias e ganaderos, farta do cheiro do Tejo e impregnada das antigas tradições pela criação dos avós entendi e vivi a catástrofe das aparências da familia Relvas, os amores proibidos, as classes que ainda hoje não se misturam. Tudo muito bem descrito, com vocabulário "técnico" de um bom ribatejano que o amor à terra não deixa esquecer. Eu revivi pela boca dos meus avós a servidão às grandes famílias, o orgulho que pobre e rico não deixam esmorecer, o calor dos campos, a dificuldade de colher vitórias num mundo de amarguras e cunhas soberanas. Felismente a realidade mudou um pouco, apesar de alguns insistirem em fazer ouvir vozes esquecidas e desgovernadas do passado. No entanto, pobres e ricos honram sempre o amor à terra, ao campo, ao gado e ao Tejo. Por isso gostei do livro, consegui sentir o cheiro do meu Ribatejo, o suor dos meus campinos e a vida conquistada nos cornos de um toiro.

Comentários

Chiky disse…
Nunca li este livro, mas tenho imensa
curiosidade. Principalmente no que diz respeito aos amores proibidos da familia Relvas. Reparei que conhece bem essas historias, tinha imenso gosto em poder trocar impressoes. deixo o meu contacto. ritarelvas@gmail.com

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