
Há muito que não me identificava tanto com um livro. Há livros assim, com um sabor azedo que nos sabem bem. Não é o sonho que comanda as linhas deste livro, não é a felicidade o seu objectivo principal... é o reconhecimento. Herman Hesse espelha-nos no seu lobo das estepes, identifica-nos com o não enquadrado civilizado da personagem, o estranho, o absurdo, o desejo, mas acima de tudo o egoísmo do autoconhecimento.
Esta personagem que nos apresenta e nunca satisfaz o que queremos, observa-nos os nossos incómodos, as inquietações, analisa o silêncio que queremos calar, desenquadra-nos do real e atira-nos os nossos medos, faz-nos julgar moralmente o que não temos direito de julgar, descobre a morte como fuga doce e medo da perda do que nunca tivemos. Viagens alucinantes...
"Assim também, resumindo, o Lobo das Estepes não é senão uma ficção. Quando Harry se sente e se assume homem-lobo, e se crê constituído por duas naturezas hostis e opostas, isso não passa de uma mitologia simplificadora. Harry não é de modo nenhum homem-lobo, e se nós, aparentemente, sem nos apercebermos, assumimos essa sua mentira, por ele próprio inventada e feita realidade, e procuramos efectivamente encará-lo e interpretá-lo como ser duplo, como Lobo das Estepes, mais não fizemos que aproveitar-nos de um equívoco, na esperança de melhor sermos compreendidos, equívoco esse que agora importa tentar corrigir."
Herman Hesse in O Lobo das Estepes
Comentários