Avançar para o conteúdo principal

O Lobo das Estepes - Herman Hesse


Há muito que não me identificava tanto com um livro. Há livros assim, com um sabor azedo que nos sabem bem. Não é o sonho que comanda as linhas deste livro, não é a felicidade o seu objectivo principal... é o reconhecimento. Herman Hesse espelha-nos no seu lobo das estepes, identifica-nos com o não enquadrado civilizado da personagem, o estranho, o absurdo, o desejo, mas acima de tudo o egoísmo do autoconhecimento.

Esta personagem que nos apresenta e nunca satisfaz o que queremos, observa-nos os nossos incómodos, as inquietações, analisa o silêncio que queremos calar, desenquadra-nos do real e atira-nos os nossos medos, faz-nos julgar moralmente o que não temos direito de julgar, descobre a morte como fuga doce e medo da perda do que nunca tivemos. Viagens alucinantes...


"Assim também, resumindo, o Lobo das Estepes não é senão uma ficção. Quando Harry se sente e se assume homem-lobo, e se crê constituído por duas naturezas hostis e opostas, isso não passa de uma mitologia simplificadora. Harry não é de modo nenhum homem-lobo, e se nós, aparentemente, sem nos apercebermos, assumimos essa sua mentira, por ele próprio inventada e feita realidade, e procuramos efectivamente encará-lo e interpretá-lo como ser duplo, como Lobo das Estepes, mais não fizemos que aproveitar-nos de um equívoco, na esperança de melhor sermos compreendidos, equívoco esse que agora importa tentar corrigir."


Herman Hesse in O Lobo das Estepes

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Uma verdade simples, de Jodi Picoult

Leitura agradável, mas não brilhante. É um livro que se lê facilmente, apesar de não me ter cativado no início. Para ser sincera só a mais de meio consegui nutrir algum interesse pela história. Até lá, achei o livro banal, expectável e cinematográfico. Considero que não é um livro mau, apenas não é a minha onda.  Então, relata a história de uma rapariga amish, que é acusada de matar o seu próprio filho à nascença e da sua advogada cosmopolita e mal resolvida amorosamente. A advogada não acredita na sua inocência, mas resolve ajudá-la a pedido de Leda, sua tia. Depois disso surgem as peripécias. A advogada acaba por acreditar na sua inocência quando ela se considera culpada, entretanto reapaixona-se pelo psicólogo que defende a acusada, que por sua vez era um namorado antigo. A acusada revela, aos poucos, a verdadeira história da noite da morte e enfrenta a dificuldade entre escolher o pai do filho, pertencente ao mundo normal e a sua vida simples de amish. O que lhe aconteceu? É c

Se isto é um Homem, Primo Levi

Já andava na minha prateleira há algum tempo, mas eu não me decidia. O tema agradava-me, mas tinha medo de me dececionar. Temia que fosse demasiado filosófico... Comecei e já não parei. Não é uma leitura simples, mas também não é um quebra-cabeças.  Primo Levi, judeu italiano, apanhado pela máquina nazi, foi capturado em Auschwitz. Este o nome que ninguém deveria esquecer, para que nunca nos esqueçamos que o ser humano consegue ser animalesco pela sobrevivência e pelo poder da crueldade. Convenhamos que, ninguém, com um mínimo de valores, conseguirá tratar desta forma outro ser humano diariamente, durante anos. Primo Levi, que viria a falecer em consequência de uma queda na escada do prédio onde vivia, sobreviveu ao campo de concentração. Sobreviveu porque no meio do azar, teve sorte. Sorte por ter apanhado escarlatina e não ter sido encaminhado para a caminhada da morte , sorte por ter conhecimentos de química e ter conseguido manter-se quente no laboratório para onde foi destinado

D. Sebastião e o vidente, de Deana Barroqueiro

É um calhamaço!! Conta com 629 páginas, rebuscadas, com um vocabulário erudito, muitas personagens, mas ... fascinante! Este livro, obviamente, relata a história de vida de D. Sebastião com todos os pormenores, desde a mãe que o deixou, à sua deformidade física, ao seu caráter, bravura... Assim, este pequeno rei, em tamanho e em idade, demonstrou a sua infantilidade nos rasgos de bravura. Inocente, sonhava com a guerra, mas soube antever os interesseiros que lhe apareceram pelo caminho. Existe também Miguel, um menino que nasceu no mesmo dia que ele e que o acompanha ao longo da história, mas que acaba por nunca conseguir aproximar-se o suficiente. É ele o vidente do título, mas a sua personagem acaba por não ser muito "útil", uma vez que é incapaz de mudar o rumo dos acontecimentos, limita-se a admirá-lo ao ponto de o acompanhar à morte. Quem não conhece D. Sebastião, o desejado, aquele que desapareceu em Alcácer Quibir e que regressará envolto no nevoeiro. Cá te es