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Lê-me - Rui Tavares (continuação)


Todos estes livros foram comprados na Caminho de Bolso. Estarão vocês lembrados - de quinze em quinze dias saia um policial de capa preta ou um de ficção científica de capa azul? Custavam, se não me engano, 200 escudos. Com os trocados pedinchados à mãe na volta dos recados dava para comprar um por mês. Esperando pelo próximo, relia os anteriores. Os meus dias tinham certamente 36 horas; também me lembro de jogar à bola incessantemente.

Finalmente apareceu a minha colecção de Stanislaw Lem. Incompleta. Faltam-me dois dos meus favoritos: as "Viagens de Ijon Tichy" e "O Congresso Futurológico", este último hilariante, todo ele decorrido entre camadas sucessivas de irrealidade provocadas por fármacos (e indectatados pelos censores da Polónia Comunista). O ponto de partida é um evento académico na Costa Rica, a certa altura vai tudo para uma rede de esgotos, não me lembro de mais nada. Amigo desconhecido a quem os terei emprestado num momento de entusiasmo: se estiveres a ler isto, entra em contacto. Preciso desses livros.

O primeiríssimo livro da colecção da Caminho de Bolso era de Stanislaw Lem: "Memórias Encontradas numa Banheira". Partia de uma espécie de retroarqueologia do presente pelo futuro que maravilhou o historiador que eu queria ser: e se no futuro, após um cataclismo, sobrasse meio por acaso apenas um livro do nosso tempo, que conclusões sobre nós tirariam os historiadores do futuro? Habituei-me a ir fazendo esse exercício.



Costumo dizer que sou uma livrodependente, mas no tempo em que os meus dias tinham 36 horas abusava "uma beca", talvez por isso me faça tanta confusão já não haver putos que leiam, também não jogava à bola, ainda que a minha mãe se esforçasse por me fazer apanhar ar puro e correr um cadito. Bem, digamos que nunca fui muito virada ao exercício. Bichinho de cidade, na maior parte do tempo, a Margem Sul proporcionava tv e livros em abundância. Há falta de material de trabalho era frequentadora assídua da biblioteca lá da zona, o Zé já tinha esgotado a carteira toda em livros para me alimentar, hoje em dia a biblioteca fechou sem sequer pedir os últimos livros que requisitei, e eu a pensar que tinha um tesouro. Enfim, adoro livros e são, ainda hoje, o meu presente preferido, mas convém que perguntem primeiro, não me vão aparecer com um Dan Brown, Nicholas Sparks ou Paulo Coelho!!!

Dos meus treze anos ficou-me para sempre gravado na memória "Os Filhos da Droga", até hoje o melhor, chorei, ri e vi-me ali pela primeira vez, ainda que não tenha nada a ver. Nunca gostei de sentimentalismos supérfulos, nem de ficção científica, adoro saber da vida dos outros quando vale a pena, óbvio! Diários, relatos de outros tempos, principalmente o fascínio pelas ditaduras, nada de muito seca!

Essa parte vem mais tarde, quando os dias começam a minguar e os gostos exigentes, chego à faculdade com mais livros lidos que a maior parte dos meus colegas numa vida inteira, os ensaios começam a interessar-me. Na escassez de livrarias com prazos coerentes de leitura, começo a desenvolver o meu instinto consumista pelos livros, compro muitos, fazem fila para que os leia, mas nunca deixo de ler nenhum, são meus, fazem parte de mim; começo a funcionar eu como uma biblioteca, mas sem lhes perder o rumo, verificando cada mazela de outras mãos. Ainda que não sirvam para nada, como dizem, servem-me a mim, e não me importei, nem me importo, de adicar das peças de roupa de marca, ou das botas da última temporada, em busca de um amigo que consente a aproximação, sem que eu tenha obrigatoriamente que lhe sorrir, uma amigo que é só meu enquanto as mazelas das minhas mãos lhe deixarem marcar o meu ser.

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