
Desembocaram na estrada da vila e aí, em piso firme, a égua largou à desfilada. De rédeas soltas, galgava o caminho ferozmente. Árvores, uma ou outra casa de arrumação nas quintas desabitadas, vultos de jornaleiros levantando a cabeça espantada, tudo se perdia na corrida. Hilário quis suster o animal e procurou as rédeas, enlaçou-as nos dedos, mas a égua tomara o freio nos dentes e continuava a marcha desatinada. Um vento tempestuoso pegou de repente nos cabelos de Hilário e atirou-lhos aos olhos deixando-o quase cego. Com as mãos a puxar as rédeas, não podia afastá-los. Esperava a todo o momento espatifar-se na valeta ou de encontro aos pinheiros. Largou as rédeas, sacudiu os cabelos dos olhos e viu o corpo da égua, elástico, lançado na correria louca como se cada passo de galope lhe custasse uma gota de sangue. Gritou. As primeiras casas de Corgo surgiram e ficaram para trás um momento. Mulheres gritavam, garotos fugiam da estrada e enfiavam-se nas portas. Até que, na praça da vila, meia dúzia de homens decididos se lançou à frente da charrete, fazendo abrandar a égua. Atiraram-se aos varais do carro, foram levados uns metros no impulso, mas conseguiram por fim dominar o cavalo cansado.
Juntaram-se em volta os curiosos habituais, perguntando o que tinha havido. Hilário mal refeito do susto, contou que a égua tomara o freio nos dentes. Um dos homens que haviam feito parar a charrete ponderou:
- O cavalo é um bicho caprichoso.
Carlos de Oliveira, "Casa na Duna"
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