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Os miúdos do fio de nylon (parte 2)


O sorriso morre-lhes nos lábios com rapidez. Só o latido do Benfica, um rafeiro que guarda as galinhas e os gansos do quintal, os consegue distrair da tarefa penosa e repetitiva. "Cala-te cão", gritam à vez. E logo voltam a baixar a cabeça para os fios e agulhas. Há quase uma década que esta rotina tomou conta da família. De manhã levantam-se para coser. À noite, adormecem com dores nas costas de tanto coser. "Os miúdos ajudam-nos quando vêm da escola. É o dever deles, não é?". É pergunta retórica, sem resposta, de Aldina, que afaga, por segundos, o cabelo de Carlitos, de 11 anos. Os sapatos de fino corte que ele cose com perícia não podiam constrastar mais com as suas sandálias cambadas e as meias brancas sujas de lama. "É melhor trabalhador e aluno do que o irmão, que já perdeu dois anos lectivos", explica a mãe, que jura a pés juntos não os tirar dos bancos da escola. Pelo menos para já. O rapaz magro de olhos claros e ar ausente atira mais um sapato para o monte, com um suspiro. Àquela hora podia estar a jogar à bola com os amigos, ou a estudar Matemática, a sua disciplina preferida. "Por cada par de sapatos recebemos 40 cêntimos", diz Carlitos em voz sumida. "Como cosemos uns 50, vão-nos dar uns 20 euros", afirma, aprovando saber fazer contas de cabeça. Numa loja do Porto, o mesmo modelo não custará menos de 40 euros. Mas isso ele não sabe...

Às tantas, Aldina abana a cabeça: "Ganhamos muito pouco mas, se não fosse isto, só teríamos o abono dos miúdos e a reforma do meu pai para vivermos", lamuria-se, olhando para os dois idosos, prostados em cadeiras desconfortáveis. Um deles não tem pernas. O outro é cego de um olho e mal se mexe. "Temos de tomar conta deles". Ela e o marido estão de baixa há vários anos. O assunto é tabu, lá em casa. "Não voltaremos a trabalhar em fábricas", limita-se a sussurrar Joaquim, de 34 anos. "Devo viver disto para o resto da vida", diz sem ilusões. Não falta muito para terminar. Mais à noitinha, irão subir a ladeira íngreme com os sacos de sapatos cosidos até ao "posto" - uma vivenda azul onde mora a intermediária entre estes quase escravos e a fábrica de calçado. Em troca, receberão mais uma encomenda de sapatos por coser e uns poucos euros para sobreviver. É a lei da terra onde quem manda é Graça, a tal intermediária que trabalha longe da vista dos estranhos, para quem as portas estão sempre fechadas. "É ela quem distribui os sapatos pelas famílias da região", confirma o dono do único minimercado desta freguesia esquecida de Felgueiras. "Em casa dela, também trabalham outras mulheres", acrescenta o comerciante, que garante: "Nesta freguesia cose-se obra porta sim, porta não". Não é pura retórica. Em muitas varandas de granito vêem-se idosas de volta dos sapatos, a laborar em silêncio. Lá dentro, os netos e os filhos dão, quase sempre, uma preciosa ajuda. Todos os euros a mais são poucos depois da crise que se abateu sobre o Vale do Sousa e Vale do Ave e que encerrou centenas de fábricas de calçado e vestuário. "A depressão acabou por tirar os miúdos das linhas de montagem mas o trabalho infantil não foi varrido do dia para a noite", revela Manuel Jacinto, sociólogo do Instituto dos Estudos da Criança da Universidade do Minho. Só em 2002 estimava-se haver 48 mil crianças a trabalhar em Portugal. A maioria no Norte do país. "Embora seja menor, o trabalho infantil persiste nas activdades domiciliárias do têxtil e do calçado, o que torna mais difícil o trabalho de fiscalização".

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