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Estórias abensonhadas, de Mia Couto

Todos os ingredientes que poderíamos esperar deste autor... cheiro de África, som de actualidade e ruralidade, visões deslumbrantes dos miticos seres humanos que em todo lado habitam.
Apesar de não ser apreciadora de livros de contos e o ter começado a ler, mais por fazer parte do PNL do que por interesse, gostei e fui-me deixando embalar pelas diferentes histórias que se desfilavam provocadoras de curiosidade. Adoro o tipo de escrita o complicado simplificado deste autor, e assim, adorei as Estórias Abensonhadas.

O meu exemplar pertence à editora Caminho e possui 213 páginas, onde se inclui um glossário de termos africanos, que acaba por passar despercebido, pois o vocabulário desconhecido é facilmente entendido pelo contexto em que está inserido.

" - O fogo é um rio. Deve-se colher pela fonte.
  - Essa fonte: nós não sabemos o seu lugar.
Era de noite, a mulher chamou o muene e fez com que se deitasse sobre a terra. E ela se cobriu nele, corpo em lençol de outro corpo. Nenhum homem nunca havia dormido com aquelas da outra margem. A mulher, no fim, lhe beijou os olhos e neles ficou um sabor de gota. Era uma lágrima de sangue, ferida da terra. A lágrima chorava, clamando que se costurassem as duas margens em que sua carne se havia aberto. A mão dele se ensonou sobre o suave abismo dela."

"Lenda de Namarói", in Estórias Abensonhadas, Mia Couto

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